A presença do Brasil na Antártida voltou aos noticiários em janeiro de 2020. O país reinaugurou a base Comandante Ferraz, oito anos depois do incêndio que deixou dois pesquisadores mortos em 2012. A ocasião é uma boa deixa para responder a uma pergunta que invade as caixas de comentários dos portais de notícias e o imaginário popular: afinal, por que investir milhões para garantir a presença no continente gelado?
A história da Antártida ao longo do último século é uma ótima metáfora para pensarmos geopolítica, direito internacional e ciência. De vizinhos reivindicando o mesmo pedaço de gelo a acordos de meio século, o blog da Emeritus traz para você o bêabá da questão Antártica e uma breve história do Brasil na Antártida. Boa leitura.
Um breve histórico da exploração na Antártida
1º de dezembro de 1959. Essa é possivelmente a data mais importante da história do continente antártico — bem, pelo menos quando falamos da atuação humana por lá. Foi nesse dia que foi assinado, em Washington, EUA, o Tratado da Antártida, documento que, até os dias atuais, rege a maior parte da atuação internacional no continente gelado.
O ponto mais sensível do tratado era a definição de que, até 1991, nenhum país teria posse de território antártico, o que foi prorrogado, no vencimento, por mais 50 anos, até 2041. Outros pontos importantes são:
- proibição do uso militar da região, com estabelecimento de bases militares;
- proibição do uso da Antártida para explosões nucleares ou despejo de lixo;
- liberdade da exploração científica com fins pacíficos;
- observações, pesquisas, resultados etc. produzidos no continente devem ser livres e compartilhados.
O acordo original foi assinado por doze nações (Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, Reino Unido, EUA e a URSS, atual Rússia). O Brasil, por sua vez, tornou-se signatário do tratado em 1975 e mantém o status até os dias atuais.
Se você quiser fazer uma pausa e conferir o original desse documento histórico, ele está disponível online aqui (em inglês, espanhol, francês ou russo), na página oficial do Secretariado do Tratado Antártico. O site do Ministério do Meio Ambiente do Brasil também tem uma página com os principais pontos contemplados.
Antes e depois do Tratado
Você pode, também, ter achado curiosa a lista com a dúzia de países que são signatários originais do Tratado — por exemplo, a participação de argentinos e chilenos, mas não do Brasil. O motivo é um tanto simples: o evento contou com a participação de todos os países que reivindicavam a posse de partes da Antártida — o que não era o caso do Brasil à época.
O problema maior era que chilenos, argentinos e britânicos pleiteavam algumas áreas coincidentes, cada um fazendo sua própria conta para justificar o direito de posse. As reivindicações continuam de pé, mas foram congeladas pelo tratado de 1959.
Nas décadas seguintes ao Tratado, outros foram assinados, construindo um conjunto robusto de documentos que regulam a região frente à comunidade internacional. O Protocolo de Madrid, por exemplo, proibiu a exploração mineral da região, também de água e petróleo. Hoje, são 30 países diferentes com bases na Antártida, inclusive o Brasil.
Brasil na Antártida: a história do país no continente gelado
Comparado aos vizinhos chilenos e argentinos — que estão entre os mais antigos exploradores do continente — o interesse brasileiro foi bastante tardio e teve seu preço, começando pela não citada participação no Tratado da Antártida.
Foi em maio de 1975, apenas, que o governo brasileiro decidiu aderir ao tratado. Já no ano seguinte, em 1976, o Capitão de Corveta Luiz Antônio de Carvalho Ferraz (guarde esse nome) participou de uma expedição à Antártida a convite inglês. Explorações pontuais como essa se seguiram e, em 1982, o Brasil criou a Comissão Nacional para Assuntos Antárticos (Conantar) e o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR).
Em termos efetivos, a história do Brasil na Antártica começava ali, no começo dos anos 1980. Em 1984, esses esforços se transformaram na abertura, na Península de Keller, da Estação Brasileira Comandante Ferraz, homenageando o pioneiro capitão.
Incêndio e reconstrução
Em 25 de fevereiro de 2012, aconteceu o episódio mais triste da história do Brasil na Antártida: um incêndio na Estação Comandante Ferraz deixou dois mortos e destruiu 70% das instalações. Em janeiro de 2020, oito anos depois, o Brasil reinaugurou a Comandante Ferraz, com um custo estimado de 400 milhões de reais, estrutura mais moderna e segura, três módulos e capacidade para até 64 pesquisadores.
Hoje, além da novíssima Comandante Ferraz, o Brasil também conta com um navio de apoio com cinco laboratórios (o Navio Polar Almirante Maximiano). Por fim, o Criosfera 1, um módulo brasileiro instalado no interior do continente antártico, voltou a funcionar em 2019 e funciona de forma autônoma, captando energia solar e eólica e enviando informações por satélite.
Motivos que levam países a explorar a Antártida
7% da área do planeta, 70% de toda a água potável e uma riqueza conhecida, mas ainda não totalmente mensurada, de gás natural e petróleo: esse é um possível resumo do porquê de tanta atenção à Antártida.
Ainda dentro do grande tabuleiro geopolítico internacional, a Antártida é uma dessas questões em que grandes nações espelham o comportamento uma das outras. Hoje, todos os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU têm forte presença no continente, o que leva a um efeito cascata em países que almejam forte posicionamento no jogo.
Isso, é claro, sem considerar todo o genuíno interesse científico. Fauna, flora e geologia únicas e as condições de observação espacial são alguns dos motivos para cientistas de todo o mundo aceitarem a missão de se instalar nas dezenas de bases de estudo e pesquisa antárticas.
Hoje, os estudos dos cientistas do Brasil na Antártida estão especialmente concentrados em questões meteorológicas e oceanográficas. Maior costa atlântica do mundo, o clima brasileiro é fortemente influenciado pelas águas e massas de ar antárticas. O interesse, tão grande, é, afinal, político, econômico e científico.
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